Enterro da Gata ’17 | Entrevista a Bezegol

Enterro da Gata '17 | Entrevista a Bezegol

Achas que o reggae tem um papel na música portuguesa? Até comparado com o Hip-Hop.

Tem, há reggae feito em Portugal. Pode-se dizer que é o reggae português. Eu acho que quando seccionamos muito as coisas acabamos por nos colocar em tribos e eu nunca fui um gajo de me colocar em tribos, não gosto muito disso porque acaba por te obrigar a obedecer a um certo padrão. É claro que faço reggae porque gosto dessa sonoridade e faço dub porque gosto muito da sonoridade. Agora não me perguntem se sou rasta porque primeiro sou português, sou nascido no Porto, num bairro por isso não me venham cá falar de dicas do além porque se eu não papo esses grupos que nós papamos cá, ainda ia papar do jamaicano, não tenho nada a ver com essas coisas. Por isso é que nas minhas letras não falo do Selassie ou do Marcus Garvey, embora conheça a história deles mas para mim é mais uma história como há muitas outras. Por isso é que nunca assumi nem nunca quis assumir um rótulo, tipo artista de reggae ou artista de dub porque acho que a música em Portugal tem estilos à brava. A minha banda toca vários estilos diferentes, até noutros projetos e acho que é fixe mesclar isso tudo e fazer o som que a gente faz que acaba por ser o nosso som. Tem uma sonoridade mais dub, mais rap, ou se está mais rock é porque na altura, no estúdio, ao fazer a cena ela fugiu mais para aí.

 

A tua sonoridade é uma mistura de diferentes estilos. O que é que te leva a fazer covers como “A Morte Saiu à Rua” do Zeca Afonso?

Sou honesto, é uma cover que fiquei muito contente por ter feito. Há muita gente que tem problemas com a idade mas eu não, vou fazer 44 anos, já não sou nenhum miúdo, e é claro que cresci a ouvir esses sons. Foi-me explicado quem ele era, foi-me explicado quando era muito miúdo o que ele representava, no tempo da ditadura, o trabalho que ele fez. Quando fiz a cover foi mais por eu sentir que o people da geração a seguir à minha já não faz ideia quem é o Zeca Afonso. Então eu pensei que se fizesse uma cover do Zeca Afonso e que o people ao menos curta, quem não conhece vai indagar, tentar saber porque é que eu fiz aquela versão e vão tomar conhecimento de quem foi o Zeca Afonso, que acho que foi um dos gajos que nós não devíamos perder de memória. Nós hoje temos tanta coisa imediata, damos valor a tanta coisa só porque aparece na televisão ou só porque tem muitos likes na Internet, isso acaba por me entristecer à brava porque acabamos por perder grande parte da nossa cultura. Por exemplo, já me aconteceu de quando estou a falar com alguém sobre a minha versão de “A Morte Saiu à Rua” e perguntam-me porque é que eu escrevi essa letra, eu ter de explicar “calma aí que eu não escrevi nada disso”. Fiz isto com muito gosto e a tentar respeitar ao máximo o trabalho que ele fez, não foi de maneira nenhuma para faturar em cima do nome dele; nada disso e tenho gosto em explicar à geração mais nova quem ele era, o que representa aquele tema e acho que se mais artistas fizessem isso era bom. Se tocasse guitarra, tocava versões dos “Verdes Anos” porque acho que o Paredes é outro gajo que está a desaparecer da nossa memória e é mesmo uma pena, um dos maiores génios que tivemos. E quem diz esse diz outros, temos gajos vivos ainda que fazem música muito boa, o Fausto, o José Mário Branco, o Palma, o Rui Veloso, etc. São grandes músicos só que os media, o dinheiro que as cenas movimentam e o comprares a publicidade tornou o negócio tão denso que acaba por desaparecer o espaço, eles preenchem as slots com o que dá mais lucro e com a publicidade que vai vender por mais dinheiro. Nós no meio desse negócio todo perde-se a cultura portuguesa nesse sentido. Depois temos o Salvador Sobral que ganhou um festival da Eurovisão e que agora é o maior, mas é o maior porque ganhou senão iam dizer que ele foi para lá com aquela música romântica para o festival e que aquilo não é nada festivaleiro. Eu ao menos sou honesto, eu nunca pensei que ele fosse ganhar, mas quando ele ganhou fiquei muito contente e isso é uma réstia de esperança, ver miúdos como o Sobral a aparecer e a fazer uma cena assim. Até têm aparecido muitas figuras públicas a dizer que se misturou cultura e o povo gosta mas ninguém se lembra de perguntar ao povo se ele gosta de levar todos os domingos à tarde e sábados com aquilo do Portugal no Coração e assim, que só toca kizombada e parolos que nem português falam direito. Armados em espertos, nem sabem verbalizar, é uma tristeza, é básico, as letras são básicas e algumas delas até são estúpidas ao ponto de denegrir a imagem tanto da mulher como do casal. É isso que estamos a passar para os nossos putos, estamos a passar a ideia de que estás no Jersey Shore ou no Love on Top e que isso faz de ti alguém. Estamos a glorificar coisas que nem sequer tinham espaço cultural para aparecer, deviam aparecer sim em canais de variedades que eles tivessem e o que é triste é que um canal como o Correio da Manhã tem audiência que tem só porque viram que é fácil explorar o sensacionalismo. Chegamos a esse ridículo e a desinformação é tão grande porque é paga e chegam aqui os angolanos que compram as músicas no iTunes para estarem no top, compram os likes e depois a Fátima Lopes e o Goucha ainda os recebem no programa e dizem que seguem o trabalho e que é muito bom. Então se temos gajos que são considerados líderes de informação a dizerem que tomar o Calcitrin é fixe, já estão a comer a cabeça aos pensionistas e o cota que é mega desinformado, tem 70 anos, vive no interior, nunca chegou a ter acesso à informação a não ser na televisão e vê o gajo no qual acredita a dizer para comprar aquilo, e é claro que vai gastar a pensão de 280 euros. Andamos a criar uma geração de agarrados a publicidade e então é por isso que a gente não tem muitos concertos, agradeço bastante no palco o público que está comigo e as organizações por me convidar porque eu sei que não é fácil aqui levantares muito barulho e o people continuar-te a comprar. Mas eu acredito mesmo que enquanto houver gajos que finquem o pé aí ao sistema, vai haver público que está sempre contigo desde que o teu trabalho seja bem feito e tu te cinjas a fazer som. É por isso que sou conhecido, por fazer som, agora se eu fumo ganza, se bebo álcool, se dou pontapés nos móveis, whatever porque ninguém tem nada a ver com isso. Têm é de ver o meu trabalho, o que sai cá para fora. Os artistas não deviam ser conhecidos porque dão entrevistas, porque vão tomar café à inauguração não sei de quê e que vendem mais imprensa cor-de-rosa. Isso é o que a gente nunca vai fazer e eu sei que há muita gente por cá que também é como nós e faz com que a cultura portuguesa continue forte de alguma forma e sei que vamos ultrapassar esta kizombada toda em pouco tempo. Um dia.

 

Trabalhaste com vários artistas, como o Rui Veloso e o alemão Teka, com quem gostarias de trabalhar a seguir?

Há um cota que me vem sempre à cabeça porque não o conheço pessoalmente que é o Fausto, porque ele tem um álbum que é o “Por Este Rio Acima” que é outro que está um pouco esquecido cá e que, para mim, a nível de orquestração, a forma como ele reuniu os músicos e as letras está fenomenal. Sempre me vi a fazer uma versão do tema que ele tem lá e sempre que me perguntam ultimamente isso, vem-me sempre à cabeça o Fausto que era um gajo que eu gostava de ir para o estúdio, fazer com ele o processo de pôr uma faixa cá fora. 

De resto, tenho trabalhado com muita gente como o Deau e isso dá-me muito prazer, primeiro porque sou convidado e isso acaba por validar o teu trabalho, quando outro artista que também acompanhas te lança o convite. Mas ainda não sei com quem vou fazer outro tema, tenho agora um que vai sair com a Marta Pereira da Costa que vão curtir que é a “Rainha Sem Coroa” mas com a Maria a tocar guitarra portuguesa e isso está mesmo quase pronto, vai sair para o mês que vem. Honestamente, agora não sei com quem vou fazer a próxima cena mas se calhar vai ser com o Chip Fu, tenho falado com ele, mas ainda não sei.

 

Que mensagem é que gostarias de deixar aos estudantes do Minho?

Mantenham-se fortes, vocês são um grupo forte aqui à brava! Já trabalhei até na vossa faculdade, tem lá uma parede de escalada e eu estive lá porque sou salvador, ainda não tinha o primeiro álbum cá fora. Têm um núcleo fortíssimo de jovens, Braga. Mantenham-se atentos, espertos e não se deixem enrolar em conversas do Presidente da República, agora a ir tomar banho e a mostrar aos jornalistas e a andar a dar abraços a toda a gente. Eles continuam a aprovar leis e continuam a fazer cenas, o António Costa a mesma coisa. São partidos, são políticos e nunca lhes dêem muitas abébias e façam sempre por perguntar o que eles estão a fazer em nome do nosso país e em nosso nome porque é com a nossa guita que eles andam a gozar e com os impostos que a gente paga que eles brincam com esta isto. É a mensagem que eu tenho para deixar.

 

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