Carta Aberta ao Primeiro-Ministro

A AAUMinho, em conjunto com mais onze associações académicas e federações portuguesas, enviou uma Carta Aberta ao Primeiro-Ministro Dr. António Costa, onde apelam que a Ciência, Tecnologia e Ensino Superior se mantenham como área ministerial.

Este movimento surge após a ameaça de fusão do Ministério da Educação com o Ministério da Ciência e Ensino Superior. Os autores observam esta mudança como um recuo na relevância do ensino superior.

Passamos a transcrever o conteúdo da Carta Aberta:

” Carta Aberta ao Senhor Primeiro-Ministro,

Dr. António Costa

Com o conhecimento:

Presidente da República Portuguesa

Partidos Políticos com Representação Parlamentar

Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas

Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos

Nos termos do n.º 2 do artigo 198.º da Constituição da República Portuguesa, é da exclusiva competência legislativa do Governo a matéria respeitante à sua própria organização e funcionamento. Todavia, a estrutura a adotar deverá ser adequada ao cumprimento das prioridades enunciadas no Programa de Governo e, naturalmente, aos desafios com que se depara o país e aos compromissos internacionais assumidos nesse âmbito.

A resposta à pandemia, ao longo dos últimos dois anos, tem contribuído para a valorização da ciência, em diversas áreas do conhecimento. Em paralelo, assistimos a uma aceleração da transição digital. Ambos os fenómenos têm efeitos na economia e, naturalmente, na forma como se organiza e desenvolve a sociedade.

Na estrutura orgânica dos XXI e XXII governos constitucionais, foi assumida a intenção de valorizar as áreas da cultura e da ciência, como pilares da sociedade de conhecimento, razão pela qual as Secretarias de Estado da Cultura, do Ensino Superior e da Ciência foram, novamente, elevadas à condição de Ministérios.

A evolução do Ensino Superior, assim como os compromissos e as reformas mais recentes, respetivamente assumidos e implementadas no setor, não podem ser analisados à margem do progresso do sistema científico nacional e da forma como é produzido e reproduzido novo conhecimento.

As políticas públicas que têm vindo a ser aplicadas têm como objetivo alargar a base social de recrutamento para o Ensino Superior, modernizar o funcionamento das instituições e, dessa forma, contribuir para a criação de quadros qualificados, essenciais ao desenvolvimento do país e, por ordem de razão, à evolução do sistema científico, decisivo na produção de novo conhecimento.

A aposta nas qualificações é essencial para a competitividade do país, para a dinâmica da nossa economia, e claro está, para o desenvolvimento do potencial humano dos cidadãos. Esta aposta no Ensino Superior convida a uma análise mais criteriosa no que respeita à base de recrutamento de estudantes, em especial num contexto de inverno demográfico que o País irá enfrentar.

Neste sentido, uma reorganização orgânica que venha a dividir o Ensino Superior e a Ciência em duas Secretarias de Estado distintas, sob um ministério com competências e áreas tão diversas como o da Educação, irá prejudicar a articulação e coordenação entre duas áreas que se pretendem conexas. Ademais, experiências anteriores demonstram que um Ministro da Educação, pela natureza do cargo e funções, não detém disponibilidade suficiente para se dedicar aos temas do Ensino Superior e Ciência.

Sem prejuízo da necessária articulação entre as áreas da Educação e do Ensino Superior, que devem assentar numa lógica mais colaborativa e num funcionamento orgânico do Governo que compreenda e promova a transversalidade de um conjunto de políticas públicas, a manutenção de um Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior será crucial para a notoriedade e afirmação política de uma área imprescindível à recuperação económica e à reconfiguração da economia e da sociedade nos próximos anos.

Este é um aspeto preocupante, pois o estatuto de Secretaria de Estado, enquadrada num Ministério tão vasto e com áreas tão diversas, poderá resultar na perda de força negocial para os setores do Ensino Superior e Ciência em sede de Orçamento, numa conjuntura em que é expectável o contrário. A Estratégia Portugal 2030 consubstancia uma visão para a próxima década mobilizando vários instrumentos de política pública, como o Plano de Recuperação e Resiliência e o próximo Quadro Financeiro Plurianual 2021-27 (o Portugal 2030), que atribuem grande importância às áreas do Ensino Superior e da Ciência.

Uma hipotética subalternização do Ensino Superior e da Ciência não será condizente com as apostas políticas assumidas para a transição digital, inovação e qualificações, que são encaradas como fatores de desenvolvimento, numa sociedade designada do conhecimento e marcada pela necessidade de inovação empresarial, qualificação dos recursos humanos e das instituições e organizações.

A notoriedade política e capacidade negocial desta área ministerial será fundamental para o cumprimento dos objetivos e metas com que Portugal se encontra comprometido até 2030, no quadro europeu, designadamente com o aumento da despesa total em Inovação & Desenvolvimento para 3% do Produto Interno Bruto, alcançar um nível de 60% dos jovens com 20 anos a frequentarem o Ensino Superior e com 50% dos diplomados com qualificações superiores na faixa etária dos 30-34, bem como em conseguir ocupar um lugar de liderança europeia em matéria de competências digitais.

Por sermos um país plenamente comprometido, a nível nacional e europeu, com o reforço do Ensino Superior e da Ciência, ambos essenciais no apoio à transição ecológica e digital, mas também à promoção da equidade e inclusão sociais, apelamos a V. Ex.ª que o decreto-lei que vier a aprovar o regime de organização e funcionamento do XXIII Governo Constitucional mantenha a Ciência, Tecnologia e Ensino Superior como área ministerial, ao invés de promover uma tutela única que agregue Educação, Ensino Superior e Ciência.

Não podemos ter um ministério titânico, a ocupar-se do Ensino Superior da parte da manhã, e dos Ensinos Básico e Secundário da parte da tarde (e acreditamos que isto aconteça, na melhor das hipóteses).

Por fim, solicitamos a V. Ex.ª uma audiência para que possamos retratar a realidade dos estudantes do Ensino Superior e o seu papel na reconstrução do País pós-pandemia.

A carta é subscrita pelas seguintes Federações e Associações Académicas (por ordem alfabética):

Associação Académica de Lisboa (AAL), Associação Académica da Universidade dos Açores (AAUA), Associação Académica da Universidade do Algarve (AAUAlg), Associação Académica da Universidade de Aveiro (AAUAv), Associação Académica da Universidade da Beira Interior (AAUBI), Associação Académica da Universidade de Évora (AAUE), Associação Académica da Universidade da Madeira (AAUMa), Associação Académica da Universidade do Minho (AAUM), Associação Académica da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (AAUTAD), Federação Académica de Lisboa (FAL), Federação Académica do Porto (FAP), Federação Nacional de Associações de Estudantes do Ensino Superior Politécnico (FNAEESP). “

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